Helena Roseta
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Vereadora Paula Marques ao Negócios:
“Precisamos de um novo PER e de cooperativas de habitação”
18-05-2020 Entrevista conduzida por Filomena Lança, foto de Pedro Catarino, Negócios
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Um investimento “robusto” em habitação pública, reinventando o Programa Especial de Realojamento dos anos 90, e o relançamento do movimento cooperativo. Eis as propostas da vereadora Paula Marques para a crise na habitação. Com um parque público de apenas 7% de habitações, Lisboa precisa de mais investimento público para poder construir e reabilitar. A vereadora da Habitação defende um novo PER, a que chama “programa especial de habitação”, com investimento do Estado central e execução pelas autarquias. Quer também “pensar fora da caixa” e reinventar o movimento cooperativo dos anos 70 e 80.

Já se notam os efeitos da pandemia na habitação?
Neste momento, naquilo que é o clássico dos pedidos de habitação, continuamos com o mesmo nível de necessidades. Mais próximo do verão já teremos uma ideia mais concreta, até porque no arrendamento privado estamos em situação de moratórias. Mas já sentimos o impacto da quebra de rendimentos. Já tínhamos uma crise da habitação e a perspetiva é que ela se agudize. As assimetrias são muito claras e vão sentir-se na habitação.

Vai destacar-se ainda mais a falta de oferta pública de habitação.
Estes momentos de crise obrigam a medidas de emergência, no curto prazo, mas se estamos num momento de viragem é também uma oportunidade para propostas mais arrojadas e fora da caixa, que nos preparem. Sempre defendi que um parque público robusto era fundamental para a resposta às situações de maior vulnerabilidade, para regular o mercado, para assegurar que temos uma cidade equilibrada, plural, não polarizada. Este é o momento para irmos mais além e termos propostas que respondam agora e que sejam sustentáveis para que daqui a 10, 15 anos, se voltarmos a ter uma situação destas, estarmos preparados. Como temos feito com o SNS e estamos agora a comprovar.

A oferta de habitação pública é claramente pouca?
Temos 2% de parque público no país e 7% em Lisboa. É verdade que estamos muito longe, mesmo com tudo o que já está programado e que muito não será para já. Por isso acho que o programa Renda Segura, mais célere, começa a fazer a transição entre a programação a médio e longo prazo. É um caminho muito interessante, mas mais uma vez, se quisermos pensar a médio e longo prazo, para mim não chega. Um instrumento público é importante, não só para
a questão da regulação do mercado do ponto de vista de valores, mas também para assegurar que toda a gente tem lugar na cidade.

Aprovaram há dias a compra de imóveis a privados. A resposta passa por aí?
Não está só aí. Está nas frentes que temos a correr, como a renda segura. Não vislumbro que possamos ter um retorno à atividade económica turística com a escala que tínhamos, nos tempos mais próximos. Por isso, a câmara deve estar atenta nas questões do direito de preferência, às oportunidades ir buscar habitações que rapidamente estejam em condições de serem entregues às famílias, passando a ser propriedade do município. Sempre evitando o efeito perverso de fazer aquecer o mercado.

Se, como diz, é preciso ir mais além, qual será então o caminho?
Nos anos 80 e 90 tivemos um programa que, independentemente de como foi implementado,
foi fundamental, que foi o Programa Especial de Realojamento (PER). Era uma articulação entre a administração central, que financiava, e a local, que executava, para produzir habitação. Permitiu erradicar milhares de barracas e dar condições de habitabilidade a milhares de pessoas. Pensando no mesmo princípio, acho que é o momento de avançarmos com, eu diria, um “programa especial de habitação”. E, em simultâneo, apostar no setor cooperativo.

E de novo pedindo financiamento ao Estado central?
Em articulação com a administração central. O PER era para construção, eu acho que agora deve ter a componente da reabilitação, mas também da aquisição. O princípio é importante, do ponto de vista do aumento do parque habitacional público, o modelo de implementação tem de ser diferente. E em aglomerados de menor dimensão e mais espalhados. Porque já não temos o mesmo nível de solos disponíveis. E porque os bairros do PER resultaram numa autoguetização e numa monofuncionalidade a não repetir.

Falava há pouco nas cooperativas. É outra opção?
A proposta em que estou a trabalhar e que pretendo levar a câmara e solicitar ao Governo passa por robustecer o 1.º direito ou ter uma linha autónoma para um novo programa especial de habitação e uma linha de novo direcionada ao novo movimento cooperativo, articulado com as autarquias. As cooperativas foram um dos grandes instrumentos de promoção do direito à habitação. Nos anos 90 cessou o apoio da administração central, tiveram de arranjar forma de se financiar junto da banca e o princípio do sistema cooperativo desapareceu. E hoje temos habitações cooperativas, construídas com apoio público, a alimentar o mercado especulativo. Não é isso que queremos.

E o que é que um novo modelo para as cooperativas tem de ser diferente para não cair nos mesmos erros?
O princípio é o mesmo: financiamento por parte da administração central e articulação com os municípios, utilizando ou terrenos ou edifícios que se possam reabilitar, o que agora não era pensado, era só construção. E com operações de diferentes escalas.

Como impedir que estes fogos vão alimentar o mercado especulativo?
Uma forma é a câmara exigir, para ceder o direito de superfície, que 30% dos fogos sejam destinados a renda acessível. E as rendas são recebidas pela cooperativa, que fica também com os espaços para uso comunitário. As lojas podem ir para arrendamento livre, dinamizando o comércio local. Para projetos de menor dimensão podemos pensar em edifícios autossustentáveis ou em co-living. A proposta que vou apresentar inclui cooperativas de dimensão pequena, média e média-grande que permita ter vários modelos de gestão e de vivência. Claro que em pequena dimensão não faria sentido exigir parte para renda acessível.

Conta convencer o Governo?
Se não tivesse uma boa expectativa, não me lançava nisto. Acho que vou convencer. Até porque a porta está aberta e é o 1.º direito. Falta é um robustecimento, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista de ser uma linha autónoma. Portanto, sim, acho que vou conseguir convencer a secretária de Estado, o ministro e o primeiro-ministro e também os meus colegas da câmara. Tem caminho para andar, sim. Se não é este o momento para irmos em frente, não estou a ver outro.

“Em Lisboa há 2.600 famílias à espera de casa”


Com aquilo de que dispõe em termos de parque habitacional público, a câmara não consegue, hoje em dia, dar resposta aos muitos pedidos que lhe chegam. Com 500 fogos em carteira e 2.600 pessoas em processo de candidatura, a vereadora da habitação não tem dúvidas: é precisa mais construção e mais reabilitação para conseguir mais fogos disponíveis.

Quantos pedidos têm de pessoas a precisar de casa?
Temos cerca de 2.600 famílias em processo de candidatura à renda apoiada. Quando abrimos um concurso para a renda acessível, classe média, média-baixa, a afluência é enorme. No último concurso, para 120 casas, tivemos cerca de 3.000 candidaturas. E depois há outras respostas que temos de dar, que não têm a mesma escala de procura, mas têm uma importância brutal. Ou seja, além dos nossos inquilinos, é preciso respostas transversais – vítimas de violência doméstica, pessoas refugiadas, apoio a sem-abrigo, processos de realojamento.

Há vários incêndios onde acorrer e casas a menos?
Temos grandes áreas, uma delas, a de maior dimensão, é a renda apoiada. A câmara tem cerca de 75 mil pessoas a viver como inquilinos em cerca de 25 mil casas.

Ou seja, a oferta disponível não chega?
Não é possível pensar de novo nesta cidade, não é possível responder ao que precisamos, com um parque robusto para que possamos regular o mercado, não é possível com aquilo que temos à data de hoje. Daí eu achar importante e fundamental as várias frentes de trabalho que já temos. A reabilitação do nosso património municipal, que não é infinito e nós tínhamos um passivo de intervenções de reabilitação de décadas.

Esse processo está já perto de concluído?
Não está, mas não falta muito. Nos bairros municipais, o número de fogos ainda não afetos a famílias, remanescem 100 fogos. Os outros estão em obras ou em concurso, mas com famílias afetas. E do património disperso no centro histórico em Campo de Ourique, Castelo, Alfama, Mouraria, a reabilitação é mais morosa, mais cara, temos um levantamento de 380 fogos em obra (ou) em concurso. Destes, 100 estão já afetos a famílias e os restantes serão afetos a programas. Contas feitas, cerca de 500 fogos. Isto não responde, de todo. Não consigo responder ao que preciso com isto. Daí a importância da nova construção de habitação.

Há nova construção programada pela SRU, não chega?
A médio e longo prazo tem programado a médio e longo prazo 2.400 fogos. É uma frente de trabalho, é fundamental, são cerca de 450 milhões de investimento. E é importante também o que continua a correr de mobilização do investimento privado, e que o programa de renda acessível (pilar concessões) continue a decorrer. E continuamos com a reabilitação dos 253 apartamentos e 208 quartos da Segurança Social, que são 30 milhões para obras, para além da aquisição.

Quando chegam estas casas ao mercado?
Será sempre em tempos e em escalas diferentes. A primeira vaga da SRU chega no final de 2021. Os edifícios da Segurança Social, teremos alguns a chegar no final de 2020 e outros em 2021. De reabilitação mais de filigrana, também chegam em tempos diferentes.